O meu pai abandonou-me.
Pesquei-o da selva do mundo quando tinha 16 anos. Ainda hoje, apesar de tudo, acho que tive uma das maiores sortes do mundo - recuperar elos perdidos.
E neste artigo vi espelhado, num micro ponto, toda a dôr e mal-estar que me acompanhou - e acompanha - desde sempre.
Lembro-me de vários momentos. Sim, sim (!!!), a maior parte muito tristes. No entanto lembro-me de um em particular. Nos meus 16 anos (altura em que achava que sabia muito por sentir que sempre tive de crescer depressa demais - hoje sei que à medida que o tempo passa o meu conhecimento do mundo e de mim própria é ínfimo; na verdade, o ditado grego prevalece acima de tudo - só saibamos que, DE FACTO, nada sabemos) [...] Nos meus 16 anos, pouco depois deste encontro arrasador, cataclismático, alterador irretornável da minha realidade, da da minha irmã, da da minha super mãe, da do meu pai também, LEMBRO-ME, lembro-me de desembrulhar à atabalhoada e em palavras difíceis e duras o que tinha sido e o que era aquele tempo todo sem ele, sem ele, meu pai, a mais ninguém que não ele, no vão das escadas da minha irmã... Ao qual ele ouviu, sentado ao meu lado, calado, para que no fim, fim esse que não foi fim algum, pois não se sintetiza a ausência constante dum pai e todas as suas repercurssões na 1ª pessoa em 5min - uma noite nunca chegaria - fim esse que não sei se foi interrompido ou se porque senti que algo estava estranho, fim esse que se colmatou com as palavras pseudo sábias e derradeiramente frias do meu pai. Palavras essas, passo a citar, Filha, esses são monólogos que tens de ter contigo própria.
Serão?
Desse momento até hoje, pensei e repensei, vivi com um vulto assombrante e tenebroso, tua imagem, pai, que me atormentou e violou a paz, a serenidade, a confiança, a auto-estima... e que me corrompeu umas vezes. e que me dilacerou outras tantas.
E tantas as minhas fugas aos confrontos e à sanidade de se pôr pratos limpos em mesa... porquê? Na verdade, desde aí que soube que os meus problemas de rejeição e abandono seriam irresolúveis numa caminhada conjunta. Não dá nem daria. Falta tanto, quase tudo...
E eu espero desencaminhar-me da utopia que é acreditar que apesar da anormalidade, haverá coesão na nossa relação...
Não... não a há. Sinto-me despida da vontade de continuar contigo, sinto-me oprimida pela tua voz tantas vezes, e sinto-me presa a uma relação infrutífera, numa tentativa de querer normalidade, talvez recuperar o que não tive, talvez construir um possível futuro auspicioso que floresça destes alicerces tão danados e tão sós e tristes, como um lótus radiante das profundidades turvas e lamacentas dum pântano.
Não, já não acredito... E vivi triste, profundamente triste e perturbada com tudo isto, nestes dois anos que assinalam a minha vinda para Lisboa.
Não, já não acredito. E sinto-me perdedora... mas eu sempre fui. Não sei tentar mais. Já me senti frustrada e ridícula, mimada, tôla, parva, mal educada, infantil, imatura...
Impressionante, a dualidade duma relação paternal/filial cair do céu como a nossa. Ganhei, (re)construí parte do caminho que me liga aos ancestrais - tenham sido eles quem foram, com todo o direito a sê-lo; hoje sei-lhes o nome e alguns feitos - ganhei o colosso da responsabilidade de finalmente existires, e sobretudo senti a oportunidade de saciar a ânsia de saber lidar contigo e sermos juntos. Mas seja lá o que fôr que me leva até... não a sei descrever. Sei que me falta. Não basta a vontade.
Não encontrei paz nem a realização pessoal que achei que teria. Não encontrei amor que me saiba acolher e tratar das feridas e inseguranças que o seu abandono e contínua ausência tantas vezes em mim retalharam - e que existem.
Eu não consigo.
Neste, dos vários caminhos conjuntos que traçamos na vida, neste não fui feliz e continuo a não sê-lo. E com todo o direito a dizê-lo.
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